Tic tac

O tempo se arrastava naquela manhã. O vento frio que cortava ar fazendo com que ela se lembrasse saudosamente dos dias chuvosos que enfrentara na capital. Não parava para pensar muito sobre o tempo em que se manteve afastada. A rotina lhe consumia o suficiente para torna seu pouco e precioso tempo livre um momento de ócio mental. Não se pegava recordando a menos que algo a remetesse diretamente a alguma situação vivida. Talvez esta fosse uma forma de negligenciar a saudade que consumia suas entranhas. O que outrora foi, se foi para não mais voltar. E assim os dias seguiam sem que ela pudesse notá-los.

do I?

Hoje faz um mês que o Arctic Monkeys divulgou seu novo single, “Do you I know?”. O universo musical sempre foi uma das minhas paixões, mas confesso que, com o pouco tempo que me resta para entrar na internet, estou um pouco afastada de todas as novidades e lançamentos.

Escutei a música na época e gostei. Mas, okay – sem mais. Continuei preferindo “R U Mine?”.

Ontem passei por acaso em frente ao quarto do meu irmão e ele estava escutando algo. Não identifiquei de cara qual era a canção e perguntei se era o Artic – reconheço a voz do Alex Turner de longe. Ele respondeu positivamente e acrescentou que era o tal single recém-lançado.

Algo se despertou em mim (não sei bem o porquê) e a música não parou de ecoar em minha cabeça. Desde então, ela está no mode repeat, please.

Vicie-se também enquanto espera comigo o novo álbum da banda que chegará às lojas só em setembro desse ano.

hora do start

2013-07-18 12.19.49Formada em Jornalismo há apenas 1 ano, não foi fácil tomar a decisão que tomei: mudar de profissão. Só que mais difícil ainda tem sido encontrar caminhos que me ajudem a conquistar certo hábitos imprescindíveis para atingir meu novo objetivo, como estudar 10 horas por dia.

Acredite, voltar a acompanhar matérias de colégio depois de ficar afastada desse universo por quase 7 anos é uma tarefa bem complicada. Mas, tudo por um fim, certo? Afinal, passar no vestibular de medicina é quase uma guerra. E no momento estou travando uma batalha comigo mesma para me convencer de que esta luta vai precisar de muito mais que posso oferecer em termos de disciplina e concentração.

Diante disso, quanto mais motivação melhor… esses dias minha mãe entrou no meu quarto e disse algo interessante (escrevi em um post-it para não esquecer). Não sei de onde ela tirou ou onde foi que ouviu, mas o fato é que aquilo me inspirou e espero que me ajude nos momentos de recaída e em que encontrar desfocada (que não são poucos).

Coisas que acho que sei

Nem tudo na vida acontece como planejamos ou dá certo na primeira tentativa. É colega, a vida não é nenhum conto de fadas da Disney onde fadinhas vão vir me transformar em uma bela Cinderela ou animais falantes vão me mostrar o caminho certo a seguir. As coisas raramente caem do céu diretamente no nosso colo e pouquíssimas pessoas conquistam seus objetivos sem terem tirado seus belos traseiros das cadeiras.

Não se deixe dominar pelo medo, comodidade, preguiça ou ‘seja lá o que for’ que te trava e te faz questionar se vale a pena insistir e lutar por aquilo que você quer e acredita. O dia hoje não foi fácil, mas também há outros (as) que tiveram dias muito piores, enfim… Reclamar nunca foi a melhor alternativa pra solucionar problema de ninguém, se é que vem a ser uma opção. É apenas um jeito fácil de tirar a responsabilidade de si. O que pode, talvez, funcionar é continuar tentando. E se não der certo novamente, tentar e tentar e tentar mais um pouquinho.

Não, não… não tenho certeza plena do que estou falando. Falo apenas daquilo que acho que sei e mesmo que isso não seja totalmente certo, eu me forço a continuar arriscando, me pressionando, me desafiando. Porque eu sei que eu aguento… aguento mais uma ou duas vezes, quem sabe mais… Ou talvez eu nem aguente, mas eu me faço acreditar que aguento. E quem sabe, mesmo se não der em nada, e eu descobrir coisas que ainda não sabia, com certeza já vai ser de grande valia – (não era pra rimar).

Eu vou até o fim, você vem comigo? 🙂

p.s.: Acho que hoje só por John, né?

mudanças;

É preciso coragem pra mudar. Pra perceber que o rumo que se está trilhando não vai levar onde realmente se quer. Coragem pra encarar todos e começar o zero (que, na verdade, não é tão zero assim). Maturidade para assumir os riscos, paciência e determinação perante as possíveis dificuldades. Afinal, nem sempre tudo sai como planejado, certo?

Tempo de mudança nem sempre é fácil… mas é sempre válido ponderar, reavaliar, repensar… Nada é tão fixo que não se permita transformar.

Não tenha medo de mudar se achar que deve, se sentir que quer…
Eu não tenho!

Um homem de caráter

Foto por Leo Martins

Cinco e quarenta e cinco da manhã e lá está Uedson Barbosa de Lima, 28 anos, caminhando pela Rua Maria Antônia rumo ao trabalho. O dia começa cedo para o zelador do prédio Buarque-Higienópolis. Ele entra no trabalho às 6h em ponto e nunca se atrasa. Teoricamente seu expediente acaba às 18h, mas confessa, na verdade, “não tem hora para ir embora”.

Apesar de ser novo, este não é o seu primeiro emprego. Com 18 anos trabalhava como office boy em uma loja de material elétrico na Santa Ifigênia. Há cinco anos, começou a trabalhar no edifício como folguista, ou seja, cobria as folgas dos porteiros. Hoje, ele é o zelador de um prédio que não fica mais de duas semanas com vaga.

Os apartamentos do Buarque-Higienópolis são disputadíssimos, justamente por estar em frente à Universidade Mackenzie. Alunos vêm e vão todos os meses e Uedson sabe o nome de todos eles. Sempre de bom humor, Uedson cumprimenta todos que entram ou saem pela portaria sem tirar o sorriso do rosto.

Ao ser questionado sobre a situação mais inusitada que já lhe aconteceu durante o tempo em que trabalha no local, Uedson acha difícil escolher uma. “Foram tantas!” Insisto para que me conte uma e ele relata um fato que havia ocorrido dias atrás. Uma garota ligou na portaria chorando, pois uma barata apareceu em seu apartamento. Apesar de o porteiro ter matado o inseto, a menina dormiu na portaria sentada nas escadas de pijama com medo de aparecer outra.

Sentindo-se mais a vontade, Uedson lembra que certa vez, uma moradora recebeu uma estranha encomenda: uma caixa de papelão com furos e flores. Porém a destinatária estava viajando a trabalho e ao voltaria em duas semanas, até lá a caixa ficaria guardada. Algo o incomodou naquele dia, uma espécie de pressentimento. Ele examinou a caixa e notou que havia barulhos saindo dela, foi ai que resolveu checar o conteúdo da mesma. “A sorte foi esta. Dentro da caixa havia um gato da raça persa e algumas migalhas de ração.” Sem saber o que fazer, ele colocou o gato em cima do balcão. Mais tarde, outra moradora ao chegar adorou o bichano e se propôs a cuidar dele até a dona voltar, livrando Uedson de uma situação complicada. No fim, a moradora retornou de sua viagem e acabou deixando “seu” gato para a outra moradora.

Além de ser um ótimo zelador, ele faz de tudo: pinta os apartamentos, cuida da eletricidade e hidráulica do prédio, entende um pouco de encanamento, e está sempre quebrando galhos para os moradores. “Sempre tive muita vontade de aprender e meu pai me ensinou tudo que sei.”

Nesses cinco anos no Buarque-Higienópolis, Uedson diz já viu muita coisa acontecer: assédio moral, calúnia, propostas indecente, pessoas que morreram no apartamento. Pois é, a vida de zelador não é nada fácil. “Um das maiores dificuldades é atender o interesse de todos.” O Buarque-Higienópolis é um prédio que têm muitos jovens estudantes e idosos. Os jovens que chegam para morar no prédio estão acostumados a morar em casa com suas respectivas famílias e os idosos têm suas manias. “São estilos de vida muito diferentes. Mas o condomínio requer uma união coletiva e isso exige um constante jogo de cintura.”

Mesmo com os problemas do dia a dia, para Uedson não tem tempo ruim, ele conta que apesar de ter que conciliar os interesses das pessoas ele aprende cada vez mais com o ser humano. “Sei que ninguém é perfeito. Ainda mais quando se trabalha diretamente com pessoas, isso fica bem visível.” Uedson conta que já ouviu gente falando mal dele, e que geralmente quem mais calunia é quem mais necessita de sua ajuda. “Eu me chateio com o que escuto, mas eu sei que somos humanos, e tento trabalhar com justiça. Peneiro bem as coisas, tento ver os dois lados. Odeio agir no impulso e ser injusto.”

Para ele, não se deve deixar o lado pessoal não influenciar o profissional. “Não podemos deixar uma situação abalar a gente.” O ultimo síndico que trabalhou no Buarque-Higienópolis ficou no cargo por 15 anos. Antes de sair ele disse: “Demorou muito para encontrar alguém igual a mim, em que eu pudesse confiar. Alguém que não tem medo do trabalho, alguém que não faz corpo mole.” E ele estava certo, é difícil achar pessoas como Uedson hoje em dia: confiáveis, trabalhadoras, prestativas e honestas.

“Sou bicho-homem!”

Enquanto caminhava pela Avenida Higienópolis rumo ao Shopping Pátio Higienópolis, um ser maltratado e cabisbaixo andava em minha direção. As narinas abertas pareciam farejar no ar algo que eu não conseguia sentir. A princípio tive medo, achei que ele ia me atacar. Mas só o que fez foi parar na minha frente e fixar os olhos pidões no pacote que eu carregava na mão. Aquele ar de súplica me contaminou e por isso, ainda com um pouco de medo, estendi a última bolacha do pacote para que ele pudesse examiná-la. E, antes que pudesse absorver mais nada, ele abocanhou aquelas migalhas como fosse a melhor refeição que tivera em dias. Sai caminhando com passos largos, incomodada com a imagem daquela figura suja, de aspecto cadavérico, que parecia não tomar banho há anos. Pobrezinho!

Dez passos depois cheguei ao meu destino. Ao entrar no shopping, a imagem era estranhamente incomum. Nunca tinha visto tantos pequenos juntos. A impressão era que havia mais deles do que adultos no local. “Será que é algum dia especial?” – pensei. Enfeitados com seus laços e roupas coloridas, eles corriam tentando acompanhar os passos largos dos adultos que desfilavam suas roupas de marca pelos corredores do Shopping Higienópolis. Os que eram muito pequenos iam no colo para não correr o risco de serem pisados e nem ficarem pra trás. Os grandes vinham saltitando pelo chão, o corpo vibrando de excitação ao passar pelas lojas repletas de objetos brilhantes e apetitosos.

O Pátio Higienópolis foi primeiro shopping de São Paulo a criar um lugar especial para os pais deixarem seus pequenos sem preocupação. Os espaços foram formatados especialmente para eles. Tudo foi detalhadamente planejado para lhes dar conforto: a música, a temperatura, o espaço. Se os pais precisarem deixá-los ali por muito tempo, os funcionários se responsabilizam pela alimentação dos pequenos. Para aqueles pais super protetores existe o monitoramento online: basta acessar a internet pelo smartphone ou tablet pra ficar de olho nos seus preciosos anjinhos.

Enquanto estava conhecendo o local, chega uma pequena dependurada no colo de sua mãe Sydneia. A fita vermelha que pendia no alto de sua cabeça, fazia suas madeixas marrons parecerem mais vivas. Atrás delas vinha o pai para certificar-se de que era seguro deixar sua filha ali. Enquanto eles acertavam o combinado com Tatiana, a gerente do estabelecimento, a pequena Mila xeretava nas cestas de brinquedo procurando algo que a distraísse. Depois do acerto, Sydneia a pega no colo, lhe da um beijo na testa e diz: “Mamãe já volta, tá Mila?” Os olhinhos miúdos e negros da pobrezinha se apertam e ao ver os pais se afastar solta um gemido de insatisfação.

Menos de 5 minutos depois entra um gorducho pela porta, colado no calcanhar de sua mãe. Seu nome é Fred. A mamãe Joana me conta que ele está ‘cheinho’ de tanto comer ovo de páscoa. Afinal, por ser o caçulinha da casa, ele ganhou ovos da família inteira. Quanta mordomia, não? E assim se passou meia hora sem que o local ficasse vazio por 1 minuto. Pela porta os pequenos entravam ao lado de pais dispostos a gastar o que fosse necessário para deixar seus filhotes felizes.

Quando sai do shopping, me surpreendi ao ver que o mesmo ser imundo, que havia encontrado mais cedo, continuava lá, caçando restos de comida na cesta de lixo mais próxima. Ele me viu e sorrindo rosnou algumas palavras; notei que lhe faltavam alguns dentes e os poucos que tinha estavam amarelados. A visão daquele mendigo me deixou paralisada, o ar de repente parecia mais gelado do que antes. Olhei para trás e vi os cãezinhos, felizes a passear pelo shopping, abanando os rabos atrás de seus papais e mamães. Aqueles animais tratados como crianças mimadas parecem receber mais atenção dos humanos do que aquele homem vira-lata.

Nada parece certo, quando gente vira bicho e bicho vira gente.

No Rio por uma noite…

Amanheceu um dia lindo. A luz do sol que entrava pela fresta da janela iluminou todo recinto. O quarto do meu namorado continuava tão bagunçado quanto o primeiro dia em que estive lá, há quase três anos atrás. Discos de vinil empilhados, milhões de livros espalhados pelas prateleiras, roupas amarrotadas na cadeira, pedais de guitarra ocupando todo chão de madeira. Mas devo admitir: mesmo com tudo fora de ordem aquele ambiente tinha um ar muito aconchegante!

Era sexta de manhã, quando decidi viajar para o Rio de Janeiro com a família do meu namorado para a festa de 80 anos de sua tia-avó. Até a noite anterior tudo que esperava do meu fim de semana eram longas de aulas de línguas e pilhas de livros para fundamentar meu projeto de pesquisa. Mas em um momento de loucura arrumei minhas malas e parti sem me preocupar com o tempo de trabalho que iria perder. A expectativa de esquecer as obrigações por um fim de semana, mesmo que elas acumulassem, tirou meu sono. No sábado acordamos tarde, mas saímos de São Paulo sem nos preocupar com hora para chegar. Já na cidade maravilhosa só tivemos tempo de vestir as roupas de festas e sair correndo.

O Rio não parecia tão lindo quando a van alugada para nós levar à festa cruzava a cidade, cortando caminho por bairros mal-iluminados. Os táxis amarelos cortavam as ruas em ziguezague como vaga-lumes bêbado loucos para chegar a um lugar. As pessoas no veículo vestiam trajes formais: mulheres com vestidos de festa e maquiagem exuberantes; homens de terno e gravata – como manda o figurino. Um misto de ansiedade e excitação tomava conta das pessoas conforme os minutos se arrastavam.

O motorista contratado para nos levar a “Casa de Festa” não sabia como chegar ao local e teve que parar várias vezes em becos para pedir informação. Apesar do risco, chegamos são e salvos no aniversário. A festa foi como uma festa grande qualquer. Pessoas bebendo, dançando e conversando sobre coisas sem importância. Alguns parentes distantes dizendo ao meu namorado como ele cresceu e me elogiando por ser bonita. Mesmo sem conhecer a maioria das pessoas me aventurei na pista de dança com minha sogra até ficar com o cabelo molhado de suor.

O salão estava cheio e quente. Algumas pessoas sérias e sóbrias conversavam nas mesas enquanto outras davam gritinhos de felicidade embalados pelas músicas dos anos 50 e 60 que tomava conta do lugar. Uma pausa para o “parabéns” e pude notar o quanto a mesa de doces estava enfeitada. Detalhes de flores vermelhas pendiam sobre as mesas de vidros e o bolo de cobertura branca parecia saltar aos meus olhos. Por volta das 3h da madrugada as pessoas começaram a se dissipar estampando o cansaço nos rostos alegres e satisfeitos.

No dia da volta, os pais do meu namorado fizeram um “mini-tour” para me mostrar alguns pontos importantes do Rio. O passeio atrasou um pouco e entramos na estrada rumo à São Paulo às cinco da tarde. Cochilei várias vezes durante o trajeto, mas não consegui descansar. Ao chegar na capital paulista, meus sogros me deixaram no meu prédio. Subi as escadas sabendo que teria que desfazer as malas antes de me deitar. Foi quando vi aquela barata enorme estribuchando na frente da minha porta. Catei as chaves, fechei os olhos e entrei correndo no meu ‘apertamento’.

Minha casa estava como sempre: vazia e silenciosa. Os livros recém-comprados para meu projeto de pesquisa continuavam abertos em cima do sofá-cama duro que me aguardava. Apesar do frio lá fora, ali estava quente, um bafo esquisito de um lugar fechado há dois dias. A noite para mim era só uma criança.

cheiro ruim;

Nada pior do que ficar sozinha. Talvez este seja o motivo que me leva a encarar uma rotina de viagens para minha cidade natal, Uberaba (MG). Tudo para ficar perto da família e dos meus amigos. Nasci e cresci no interior, por isso sou daquelas pessoas que precisam fugir um pouco do céu cinzento da cidade grande e respirar um pouco de ar puro.

No meu pequeno apartamento, olhei pela janela. O dia parecia normal em São Paulo, mas como a previsão anunciou uma tempestade achei melhor sair mais cedo para não pegar trânsito. Me dirigi à rodoviária Tietê com uma hora de antecedência e fiquei observando as pessoas. Ao contrário de algumas pessoas que gostam de chegar em cima da hora, eu adoro ficar olhando o movimento da rodoviária.

Alguns minutos antes de dar a hora da viagem desci as escadas até o saguão de espera. Como estava sem bagagem, fui a primeira a subir no ônibus e consequentemente a primeira a sentir aquele cheiro. Já tinha viajado em um veículo assim antes. Seis longas horas desejando dormir para não sentir o fedor. De onde ele vinha eu não tinha certeza. Conformada, sentei no lugar marcado e aguardei a entrada dos outros passageiros.

A segunda pessoa a entrar era uma mulher loura e só consegui notar sua careta de reprovação ao cheiro que infestava aquele veículo. Diferente de mim ela abriu a boca:

– “Mas que cheiro horrível. Cheiro de xixi! Assim não dá, não podemos viajar assim!”

Antes que eu pudesse responder qualquer coisa, ela saltou o ônibus e foi discutir a situação com o motorista. Pronto, foi aí que começou. Depois dela, toda pessoa que entrava no veículo se estranhava com o cheiro e faziam questão de reclamar. Alguns se sentavam inconformados em seus lugares bufando alto. Outros saiam pela mesma passagem que entraram para apoiar a mulher loura.

Passado algum tempo, o motorista e seu assistente entraram pela porta para analisar se havia mesmo algum cheiro diferente. Era inegável, por mais que não quisessem assumir, a careta que lhes tomou conta denunciava a repulsa.

– ” É. Está um pouco desagradável” – disse o motorista.

– “Um pouco??? Quero ver o senhor passar 6 horas fechado em um lugar com esse fedor de xixi” – retrucou uma senhora de idade atrás de mim.

– “Bom, acho que não temos nenhum outro veículo na garagem. Mas podemos passar lá para jogar um spray” – sugeriu ele.

Como se um sprayzinho pudesse dar conta daquele cheiro. Enquanto isso,  a mulher loura continuava do lado de fora falando com o supervisor da viação. Meia hora depois, ela entrou e anunciou:

– “Boa noite a todos. Meu nome é Marisa e consegui convencê-los a resolver esta situação. Eles afirmaram que não há outro veículo disponível para nos levar, mas ameaçei denunciá-los. Agora vamos deixar nas mãos deles. Vamos esperar.”

Dez minutos depois, saímos da rodoviária. Destino: garagem da empresa.

Abismada com a confiança da mulher, me senti feliz e de certa forma segura. Os minutos que se seguiram foram bem desagradáveis. Entre as reclamações, prendíamos a respiração para aguentar o máximo de tempo possível.

Enfim, chegamos ao local. Para nossa surpresa, a garagem estava lotada de veículos novos parados. A primeira coisa que veio a mente de todos: “Ué, vocês disseram que não havia outros veículos.” Porém, resolvemos não criar caso com isso se o nosso problema fosse resolvido. E, pelo visto, a ameaça de Marisa funcionou. Logo fomos transferidos para um ônibus lindo, espaçoso e incrivelmente cheiroso.

Nos meus 3 anos de viagens constantes nunca havia sido premiada com essa sorte. No fim, até que valeu a pena aguentar o cheirinho de xixi por algum tempo. Marisa entrou por último e foi recebida com agradecimentos e palmas. Ela fez algo que deveria ter feito da primeira vez que isso aconteceu comigo: exigir seus direitos.

Depois dessa pequena confusão tudo correu bem e a viagem seguiu seu curso normalmente.

Dona Azilda;

Hoje, logo pela manhã, fui fazer um exame médico. Enquanto esperava o atendimento uma senhora perguntou qual livro estava lendo.

– “Nosso Lar” do Chico Xavier. A senhora conhece?

– Claro! Já li vários livros dele. Adoro ler e escrever. Sabe, estou escrevendo um livro com textos e poesias minhas. Desejo publicá-lo, mas não me entenda mal. Não é para vender e sim para meus bisnetos. Sou uma pessoa muito feliz. Costumo dizer que se as pessoas tivessem metade da felicidade que tive na vida elas não se queixariam tanto de seus problemas.

Ainda surpresa com o desabafo só consegui lhe dar um sorriso de incentivo.

De repente, seus olhos encheram-se de lágrimas e ela disse:

– Sabe meu marido morreu há dois anos. Tinhamos 59 anos de casados. Mas não tenho do que reclamar. Nós fomos muito felizes juntos. Como disse antes, sempre gostei de escrever. Por isso, uma amiga me deu uma caderneta com um cadeado. Ela já está completa. Eu escrevo toda hora, tudo que penso… O que você faz da vida querida?

– Faço jornalismo em São Paulo.

– Ahhh, jornalismo! Minha neta faz serviço social, sabe? Mas como ia dizendo sempre gostei de escrever. Estudei em uma escola religiosa e meu sonho era fazer letras.

– Qual o nome da senhora?

– Azilda, muito prazer! O que você faz mesmo?

A partir deste momento a estória começou a se repetir e não demorou muito para a secretária chamar meu nome. Pedi licença e entrei pensativa na clínica. O exame demorou um pouco mais do que imaginara e quando voltei a senhora não estava mais lá. Uma pena! Gostaria de ter escutado mais sobre ela.

Engraçado como as pessoas cruzam nossa vida. Às vezes tão rápido que nem temos tempo de percebê-las. Às vezes tempo suficiente para deixar marcas, reflexões ou lembranças. Provavelmente nunca mais vou ver a Dona Azilda, porém espero que consiga publicar aquele livro e continue sendo feliz.