Nada pior do que ficar sozinha. Talvez este seja o motivo que me leva a encarar uma rotina de viagens para minha cidade natal, Uberaba (MG). Tudo para ficar perto da família e dos meus amigos. Nasci e cresci no interior, por isso sou daquelas pessoas que precisam fugir um pouco do céu cinzento da cidade grande e respirar um pouco de ar puro.
No meu pequeno apartamento, olhei pela janela. O dia parecia normal em São Paulo, mas como a previsão anunciou uma tempestade achei melhor sair mais cedo para não pegar trânsito. Me dirigi à rodoviária Tietê com uma hora de antecedência e fiquei observando as pessoas. Ao contrário de algumas pessoas que gostam de chegar em cima da hora, eu adoro ficar olhando o movimento da rodoviária.
Alguns minutos antes de dar a hora da viagem desci as escadas até o saguão de espera. Como estava sem bagagem, fui a primeira a subir no ônibus e consequentemente a primeira a sentir aquele cheiro. Já tinha viajado em um veículo assim antes. Seis longas horas desejando dormir para não sentir o fedor. De onde ele vinha eu não tinha certeza. Conformada, sentei no lugar marcado e aguardei a entrada dos outros passageiros.
A segunda pessoa a entrar era uma mulher loura e só consegui notar sua careta de reprovação ao cheiro que infestava aquele veículo. Diferente de mim ela abriu a boca:
– “Mas que cheiro horrível. Cheiro de xixi! Assim não dá, não podemos viajar assim!”
Antes que eu pudesse responder qualquer coisa, ela saltou o ônibus e foi discutir a situação com o motorista. Pronto, foi aí que começou. Depois dela, toda pessoa que entrava no veículo se estranhava com o cheiro e faziam questão de reclamar. Alguns se sentavam inconformados em seus lugares bufando alto. Outros saiam pela mesma passagem que entraram para apoiar a mulher loura.
Passado algum tempo, o motorista e seu assistente entraram pela porta para analisar se havia mesmo algum cheiro diferente. Era inegável, por mais que não quisessem assumir, a careta que lhes tomou conta denunciava a repulsa.
– ” É. Está um pouco desagradável” – disse o motorista.
– “Um pouco??? Quero ver o senhor passar 6 horas fechado em um lugar com esse fedor de xixi” – retrucou uma senhora de idade atrás de mim.
– “Bom, acho que não temos nenhum outro veículo na garagem. Mas podemos passar lá para jogar um spray” – sugeriu ele.
Como se um sprayzinho pudesse dar conta daquele cheiro. Enquanto isso, a mulher loura continuava do lado de fora falando com o supervisor da viação. Meia hora depois, ela entrou e anunciou:
– “Boa noite a todos. Meu nome é Marisa e consegui convencê-los a resolver esta situação. Eles afirmaram que não há outro veículo disponível para nos levar, mas ameaçei denunciá-los. Agora vamos deixar nas mãos deles. Vamos esperar.”
Dez minutos depois, saímos da rodoviária. Destino: garagem da empresa.
Abismada com a confiança da mulher, me senti feliz e de certa forma segura. Os minutos que se seguiram foram bem desagradáveis. Entre as reclamações, prendíamos a respiração para aguentar o máximo de tempo possível.
Enfim, chegamos ao local. Para nossa surpresa, a garagem estava lotada de veículos novos parados. A primeira coisa que veio a mente de todos: “Ué, vocês disseram que não havia outros veículos.” Porém, resolvemos não criar caso com isso se o nosso problema fosse resolvido. E, pelo visto, a ameaça de Marisa funcionou. Logo fomos transferidos para um ônibus lindo, espaçoso e incrivelmente cheiroso.
Nos meus 3 anos de viagens constantes nunca havia sido premiada com essa sorte. No fim, até que valeu a pena aguentar o cheirinho de xixi por algum tempo. Marisa entrou por último e foi recebida com agradecimentos e palmas. Ela fez algo que deveria ter feito da primeira vez que isso aconteceu comigo: exigir seus direitos.
Depois dessa pequena confusão tudo correu bem e a viagem seguiu seu curso normalmente.